Dossier

A criação de uma infância saudável a partir dos concursos de robustez em Teresina-PI nos anos de 1944 e 1945

La creación de una infancia sana a partir de los concursos de robustez em Teresina-PI en los años 1944 y 1945

The creation of a healthy childhood from the robustness contests in Teresina-PI in the years 1944 and 1945

Joseanne Zingleara Soares Marinho
Universidade Estadual do Piauí- UESPI, Departamento de História, em Teresina- PI, Brasil. Universidade Federal do Piauí (PPGHB/UFPI)., Brasil
Pedro Pio Fontineles Filho
Universidade Estadual do Piauí- UESPI Departamento de História, em Teresina- PI, Brasil, Universidade Federal do Piauí (PPGHB/UFPI), Brasil

Estudios del ISHIR

Universidad Nacional de Rosario, Argentina

ISSN-e: 2250-4397

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 13, núm. 37, 2023

revistaestudios@ishir-conicet.gov.ar

Recepção: 26 Julho 2023

Aprovação: 12 Setembro 2023

Publicado: 30 Dezembro 2023



DOI: https://doi.org/10.35305/eishir.v13i37.1844

Resumo: O presente artigo tem como finalidade analisar o ideal médico de infância saudável, difundido na realização dos concursos de robustez durante as festividades relativas à Semana da Criança nos anos de 1944 e 1945 em Teresina, capital do estado do Piauí, no Brasil. A intenção dos organizadores dessas competições infantis era promover uma educação sanitária, visando a preservação da saúde das crianças, a partir das indicações médicas da puericultura. Isso ocorria diante das possibilidades frequentes de adoecimentos que poderiam culminar com a mortalidade infantil. Para isso, os concursos possuíam finalidade pedagógica, sendo direcionados de forma estratégica, sobretudo, para as mulheres pobres no exercício da maternidade, visando atingir um modelo satisfatório para a constituição de uma infância saudável.

Palavras-chave: história da saúde, puericultura, maternidade científica, concursos de robustez infantil, Teresina-PI.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar el ideal médico de una infancia sana, que se difundió en la realización de concursos de robustez celebrados durante las festividades relacionadas con la Semana del Niño en 1944 y 1945 en Teresina, capital del estado de Piauí, Brasil. La intención de los organizadores de estas competiciones era promover la preservación de la salud de los niños basándose en las indicaciones médicas de puericultura. Esto ocurrió ante frecuentes enfermedades con altos riesgos de culminar en mortalidad infantil. Para ello, los concursos tenían un atributo pedagógico, al estar dirigidos sobre todo a mujeres pobres en el ejercicio de la maternidad, con el objetivo de lograr un modelo satisfactorio para la constitución de una infancia sana.

Palabras clave: historia de la salud, puericultura, maternidad científica, concursos de robustez infantil, Teresina-PI.

Abstract: This article aims to analyze the medical ideal of a healthy childhood, disseminated in the performance of robustness contests during the festivities related to the Children's Week in 1944 and 1945 in Teresina, capital of the state of Piauí, in Brazil. The intention of the organizers of these competitions was to promote the preservation of children's health based on the medical indications of childcare. This occurred in the face of frequent illnesses with high risks of culminating in infant mortality. For this, the contests had a pedagogical attribute, being directed above all to poor women in the exercise of motherhood, aiming to acerve a satisfactory model for the constitution of a healthy childhood.

Keywords: history of health, childcare, scientific motherhood, children's robustness contests, Teresina-PI..

Introdução

O ideário, as técnicas e as práticas de cuidado com a saúde infantil, baseadas inicialmente no princípio da caridade cristã,[1] passaram a dividir espaço com um modelo assistencial que, segundo Irene Rizzini (2008), associou os saberes médicos vinculados à puericultura com a filantropia e os poderes públicos, sobretudo, a partir das últimas décadas do século XIX e o primeiro quartel do século XX. Contudo, um projeto mais sistemático e efetivo para a proteção da saúde pública infantil no Brasil somente adquiriu efetividade durante o período estadonovista,[2] particularmente com a institucionalização do Departamento Nacional da Criança (DNCR), além de uma articulação sistemática com as associações de cunho privado. Tal iniciativa fez parte de uma política nacional do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), que incluiu a saúde como uma das principais áreas de atuação social dos poderes públicos. Esse projeto foi viabilizado no estado do Piauí a partir de uma estrutura administrativa centralizada, mas que funcionou a partir da descentralização executiva, durante a Interventoria Federal de Leônidas de Castro Mello.[3]

Foi durante o período entre os anos 1920 e 1950 que a puericultura se notabilizou como uma especialidade da medicina que se estabeleceu de forma crescente e adquiriu notoriedade no Brasil. Ela visava, prioritariamente, a preservação da vida infantil, ao privilegiar o desenvolvimento adequado conforme cada faixa etária, para que se pudesse atingir uma condição saudável (Brites y Nunes, 2013). Isso ocorreu à medida que acabou proporcionando uma educação sanitária por meio de conhecimentos, procedimentos e técnicas, com orientações para a elaboração de iniciativas que pudessem conscientizar a sociedade, principalmente as mães e mulheres que poderiam exercer a maternidade no futuro, a compreenderem a importância da profilaxia diante do risco das moléstias e, a partir disso, colocarem em prática as orientações dos puericultores em relação a aspectos como o cumprimento das normas de higiene, a utilização da alimentação natural e a busca da assistência médica para suas filhas e filhos.

Diante da ascendência da puericultura é que foram criados os concursos de robustez. A intenção precípua dos poderes públicos, a partir das orientações dos médicos, era difundir pedagogicamente entre a população pobre os padrões fisiológicos considerados como ideais para a viabilização de uma condição infantil sadia que, por sua vez, seria plenamente respaldada no conhecimento científico. O resultado consequente que se almejava seria uma infância com mais vitalidade, felicidade e até mesmo mais bela, considerando-se este atributo como consequente decorrência da constituição equilibrada da sanidade física, mental e moral.

Nesse sentido, a proposta do artigo é analisar as contingências do caráter modelar de manutenção da saúde, que foi difundido a partir da realização dos concursos de robustez infantil, que, diferentemente daquilo que foi verificado na capital do país, somente começaram a ser promovidos em Teresina, durante os anos de 1944 e 1945. Em tal contexto, a intenção era manter a saúde das crianças por meio do caráter preventivo das referências médicas em puericultura, que eram utilizadas de forma pedagógica na preparação das mulheres para o exercício de uma maternidade científica (Freire, 2009). Tal orientação possuía como fundamentação os cuidados médicos que deveriam ser estabelecidos na vida das crianças como meio para atingir o ideal do progresso nacional, mediante a criação de brasileiros civilizados, disciplinados e produtivos, o que serviria aos propósitos do planejamento para o futuro do país.

Para a execução da pesquisa, que resultou no artigo, foi utilizado um corpus documental composto, prioritariamente, por notícias e imagens acerca da realização dos concursos de robustez infantil que foram veiculadas nas edições do jornal Diário Oficial do Piauí,[4] mas também mensagens e relatórios anuais das gestões dos governos dos interventores piauienses. Tal documentação foi analisada a partir de obras referenciais de autoras como Joseanne Marinho (2022; 2018), Maria Martha Freire (2015; 2009) e Gisele Sanglard (2016), que discutem o campo da história da saúde a partir das categorias que versam sobre as políticas públicas materno-infantis, a puericultura como base para a proteção da saúde das crianças, a configuração histórica da infância servindo ao contexto político de desenvolvimento da nação e a construção cultural do cuidado infantil como atribuição naturalmente feminina.

A defesa de uma infância sã como promessa para o futuro

A campanha de proteção à infância brasileira adquiriu relevância considerável nas discussões, projetos e iniciativas promovidas especialmente por setores médicos, políticos, filantrópicos, jurídicos e feministas.[5] Embora já fossem verificados nos oitocentos, como assinala James Wadsworth (1999), tais esforços intensificaram-se durante as primeiras décadas do século XX, quando uma parcela considerável da problemática social relacionada ao processo limitado de urbanização, à presença de doenças endêmicas que prejudicavam os interesses modernizadores, assim como os índices crescentes de marginalizados que representavam riscos à tão almejada harmonia social, estava subordinada ao preparo das futuras gerações.

O interesse pela saúde infantil na América Latina originou-se de um conjunto de condições específicas de cunho regional (Birn, 2007). Com raízes culturais pré-colombianas, foi relegado à esfera privada no período colonial, sendo que a partir do século XIX, profissionais, reformadores e políticos passaram a considerar a saúde infantil fundamental para a construção das sociedades modernas. As iniciativas que emergiram desde então guardaram relações também com prioridades e programas internacionais, não por difusão unidirecional, mas sim pela interação de ideias e especialistas.

Conforme Anne-Emanuelle Birn (2007), no campo da proteção à infância, destacou-se a problemática da elevada e crescente mortalidade infantil,[6] existente na Europa e nas Américas nos anos finais do século XIX, o que despertou a atenção como um problema médico, social e político. A exemplo, a Argentina foi um dos primeiros países a se dedicar aos estudos da mortalidade infantil, cujas pesquisas apontaram como causa as condições de vida precárias vivenciadas por essas crianças, o que justificaria o controle governamental e médico sobre as famílias empobrecidas, esclarece a autora. Na Argentina, assim como em outros países da América Latina, o movimento pela saúde infantil incorporou abordagens humanitárias, medicalizadas e repressivas para a educação das crianças. Os estudos dos médicos latino-americanos que associaram “(...) a mortalidade infantil às condições de vida das famílias empobrecidas, passaram a exigir do Estado a participação no enfrentamento do problema por meio de políticas voltadas para a saúde pública e de combate à pobreza” (Birn, 2007: 214).

Na construção dos modelos de assistência à infância brasileira, notadamente no que se refere à saúde, destacaram-se nacionalmente médicos como Moncorvo Filho,[7] Fernandes Figueira[8] e Martagão Gesteira.[9] Como postura comum, todos eles defendiam a emergência da atuação do Estado diante da atuação benemérita, ao associarem a situação sanitária do país à questão social que envolvia os setores pobres, notadamente o público formado pelas crianças. Além disso defendiam o empenho dos poderes públicos no saneamento urbano, divulgação dos preceitos de puericultura e na assistência médica para o enfrentamento dos altos índices de mortalidade infantil, considerando-se, ainda, o clima tropical que exercia influência sobre a etiologia das moléstias, afetando as crianças de forma mais grave em virtude do organismo frágil, sobretudo nos primeiros anos de vida.

No que se refere aos governos piauienses, até o começo do século XX ainda não consideravam que a assistência à saúde por meio de atendimentos extensivos fosse uma responsabilidade propriamente pública, sendo delegada a execução desses serviços às iniciativas de caridade e filantropia (Marinho, 2022). De fato, “A filantropia, ou benemerência, é um neologismo surgido na França das Luzes e se difere da caridade por se propor estar desvinculada de qualquer vestígio de piedade e ter subjacente a ideia da utilidade social” (Sanglard y Ferreira, 2018: 149). Nesse sentido, os poderes públicos locais costumavam agir pautados em argumentos baseados na solidariedade cristã, contribuindo por meio de subsídios financeiros com as iniciativas assistenciais desenvolvidas pelas associações privadas.[10] De acordo com Joseanne Marinho (2018), é possível entender que o ideário em torno da saúde infantil, que visava a formação de um adulto saudável e, portanto, contribuísse com o progresso, ainda não era viabilizado por meio da estruturação efetiva dos serviços baseados na terapêutica das enfermidades e no estabelecimento de medidas de medicina preventiva no Piauí.

As discussões promovidas pelo movimento higienista, que foram trazidas dos países europeus e Estados Unidos da América, passaram a desempenhar uma posição cada vez mais relevante nas estruturas administrativas, como técnica geral de saúde, sendo que, no Brasil, a intervenção médica sobre o indivíduo e a coletividade, ocorria a partir da responsabilidade pela manutenção dos corpos saudáveis, que era delegada à supervisão do Estado. Nesse sentido, as políticas governamentais, desde o início do século XX, executaram o controle higienista, como ideal científico, não só no Brasil, mas em quase toda a América Latina (Stepan, 2014).

No entanto, as iniciativas pautadas na higiene que repercutiam em âmbito latino-americano, inclusive no Brasil, não contribuíram positivamente para uma estruturação da condição da saúde no Piauí, pelo menos até as primeiras décadas do século XX. A atuação inexpressiva da saúde pública piauiense era explicitada por uma conjuntura marcada pela ausência de organização administrativa, verbas insuficientes para investimentos e deficiência numérica de profissionais médicos.[11] Como resultado, existiam somente seis Delegacias de Higiene Pública localizadas nos municípios de Oeiras, Parnaíba, Amarante, União, Vila do Livramento e Vila de Nossa Senhora do Corrente. Funcionavam com apenas um médico, que representava o governo estadual no controle epidêmico, atuando juntamente com os poderes municipais em casos de urgências na ocorrência das epidemias.[12] Os surtos de doenças infecciosas que atingiam o Piauí faziam grande número de vítimas, confirmando a falta de decisão política com relação à saúde da população, o que afetava, consequentemente, de forma mais grave, as crianças. Foi identificado que, nem mesmo nesses casos, os poderes públicos piauienses atuavam na proteção de forma individualizada, já que esse público não aparece discriminado nas fontes primárias que consistiam nas mensagens e relatórios dos governadores do Piauí. Pode-se, portanto, concluir que essa clientela era tratada sem diferenciação juntamente com a população geral.

O setor médico do Brasil, que atuava na questão infantil, defendia que a puericultura orientava a forma mais adequada para o amparo da saúde, pois estabelecia os parâmetros para que as crianças saudáveis pudessem ser mantidas sãs. Como uma especialidade da medicina, a puericultura propugnava saberes e práticas que incidiam nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais para atuar de forma profilática sobre as moléstias, o que resultaria em um adulto saudável e, portanto, preparado para contribuir com a defesa da nacionalidade, como afirmava o médico José da Rocha (1947). Convém destacar, ainda, que as iniciativas de puericultura eram consideradas particularmente urgentes entre as populações desfavorecidas, devido a vulnerabilidade decorrente das condições de insalubridade em que viviam, o que implicava em riscos equivalentes para a constituição e manutenção da saúde. Foi nesse contexto que a infância passou a receber papel proeminente no interior dos projetos nacionais sendo elevada a uma função estratégica nas ações que deveriam ser desenvolvidas pelos países nas Américas em busca da modernização. Para Alba Pessoa (2019), elevada à condição de portadora do devir, a vida infantil seria identificada por vezes, como um recurso à disposição dos adultos e de seus projetos para as nações.

As noções de puericultura já eram utilizadas como referência durante os setecentos, foi quando esse ideário representou uma articulação mais concreta com o projeto de constituição dos Estados Modernos. Segundo assinala Jacques Donzelot (2001), a saúde era visada em tal condição como fator relevante nas disputas de poder para a expansão econômica que, por sua vez, tinha como uma das condições a constituição extensiva dos exércitos nacionais. Apesar disso, foi somente a partir de meados dos oitocentos que o bem-estar infantil, propagado com base na puericultura, adquiriu notoriedade no contexto do ideário modernizador de Estado, ascensão dos padrões de vida burgueses e valorização do conhecimento científico, particularmente naquilo que se refere à medicina.

No panorama europeu também estava presente a eugenia, designada como uma referência médico-cientifica que indicava como atingir o aprimoramento humano, mediante a seleção dos progenitores, portanto, de acordo com os pressupostos da hereditariedade, que, por sua vez, determinaria de forma invariável as condições de vida dos indivíduos (Stepan, 2014). Adquirindo notoriedade para a legitimação de práticas discriminatórias racistas, propugnadas principalmente no decorrer da Segunda Guerra, o conhecimento da eugenia também chegou ao Brasil, sendo utilizado principalmente por médicos para explicar a situação de atraso nacional, principalmente em comparação aos ideais das sociedades europeias ditas civilizadas. Os pressupostos eugênicos também foram utilizados para indicar que a superação dos problemas da nação dependeria de práticas para sanar a sociedade de indivíduos, e mesmo de raças, que apresentavam características indesejáveis, relacionadas aos aspectos físicos e mentais, mas também morais

Diante desse panorama em que políticos, médicos e variados intelectuais mostravam-se imbuídos do anseio de desenvolvimento, é que os ideários puericultores e, em certa medida, os referenciais eugênicos, passaram a ser utilizados para fundamentar as perspectivas envolvendo os destinos do país, entre as quais a infância era um tema privilegiado. Segundo a argumentação de Maria Eunice Maciel, embora fossem distintos, esses pressupostos nem sempre entravam em atrito, já que “(...) higiene e eugenia estavam muito próximas e confundiam-se dentro do projeto mais geral de ‘progresso’ do país” (1999: 28). Uma leitura disso é que o processo civilizador, conforme categorizado por Norbert Elias (1994), para que pudesse ser viabilizado, deveria ser promovido por meio da sanidade da população, uma condição que, em larga medida, dependeria da orientação médica e atuação incisiva dos poderes públicos, logo, o Brasil não estaria sumariamente condenado à inviabilidade a partir do caráter miscigenado da população.

A puericultura e a eugenia adquiriram maior configuração no país entre os anos 1920 e 1940, por meio do exercício médico em políticas de saúde públicas e particulares, direcionadas para crianças de zero até cinco anos, além de gestantes, puérperas e mulheres em idade fértil, frequentemente visando como maior benefício a condição saudável para as futuras crianças. Isso incidiu no fato de que a procriação passou a ser disciplinada por meio dos exames pré-concepcionais, além da orientação de que os progenitores dispusessem de saúde física, psicológica e moral, as mulheres em estado gravídico devessem ser monitoradas, continuamente, mediante os exames de pré-natal, bem como o fato de que as crianças fossem levadas periodicamente pelas mães para as consultas dos médicos especialistas em puericultura e pediatria, segundo os parâmetros científicos modelares.

O ideário que existia durante a Primeira República, no sentido de conduzir o Brasil rumo ao desenvolvimento, persistiu como uma proposta política consolidada nos anos 1930 e 1940, sobretudo no período do Estado Novo, cuja base foi um projeto de estruturação administrativa centralizada e a execução de ações sistemáticas. Isso propiciou a articulação de um plano de desenvolvimento para o Piauí que repercutiu na realização de obras e serviços de urbanização (Marinho, 2018). Ocorreram investimentos nas áreas da estrutura elétrica, canalização de água, construção de estabelecimentos de saúde, inaugurações de escolas, bem como o embelezamento de prédios públicos, praças e avenidas.

Na década de 1940 a população da capital do Piauí era de 23.734 habitantes. O centro de Teresina era um espaço de maior visibilidade por concentrar um diversificado setor comercial, disponibilizar formas de lazer variadas, como cinemas, teatros, bares e clubes, abrigar os órgãos públicos da burocracia administrativa, além de ser local de moradia dos setores abastados, contando, assim, com uma grande circulação de pessoas. Com isso, era reforçada a ideia de que o Piauí estaria incorporando aspectos modernos ao novo cotidiano dos mais variados setores sociais que, direta ou indiretamente, usufruíam dessa condição, ao estabelecerem suas residências, utilizarem as formas de lazer, recorrerem aos serviços públicos ou realizarem transações comerciais.

A limitação dos serviços no setor da saúde piauiense foi uma condição que persistiu até a década de 1930, quando se verificou a reformulação do Departamento de Saúde, órgão estadual que passou a ser estruturado a partir da organização, controle e funcionamento dos estabelecimentos de saúde. Nesse sentido, com o início do primeiro governo varguista, a saúde piauiense passou por uma reformulação que permitiu investimentos no fornecimento dos serviços de saúde, quando se destacaram aqueles oferecidos para mães e crianças em estabelecimentos públicos, como também nas instituições assistenciais de cunho particular. Foi durante o período do regime ditatorial que se estabeleceu uma política nacional caracteristicamente centralizada, envolvendo estados e municípios (Ferreira, 2019), que, inclusive, passou a ser mais efetiva para a proteção da condição saudável das crianças. Essa condição repercutiu no governo do Interventor Federal Leônidas Mello por meio de uma melhoria significativa na organização e ampliação do fornecimento dos serviços disponibilizados em instituições como centros de saúde, postos de higiene, lactários, hospitais gerais e maternidades, mas somente em Teresina o funcionamento dos serviços de saúde pública foi mais presente e efetivo, em detrimento daqueles fornecidos no interior do estado (Marinho, 2018).

Tais ações tornaram-se mecanismos importantes para o fortalecimento do Estado, sendo que as crianças foram transformadas em foco das políticas públicas que visavam uma nova construção nacional para o Brasil. Conforme destaca Joseanne Marinho (2022), na capital do Piauí as inciativas em torno do conhecimento médico da puericultura repercutiram com mais vigor durante o governo do interventor federal Leônidas Mello. Isso ocorreu por meio de iniciativas como: cursos de curta duração, palestras médicas, aconselhamentos nos consultórios, disciplinas escolares, cartilhas de orientação higiênica, além dos concursos infantis de robustez.[13]

Os concursos de robustez infantil e a educação das mães

Em 5 de novembro de 1924 o presidente do Brasil, Artur da Silva Bernardes, institucionalizou o 12 de outubro como o Dia Nacional das Crianças, oficializando aquela que seria uma data festiva, na qual deveriam ser realizados diversos eventos, dentre os quais estavam relacionados os concursos de robustez.[14] A participação de crianças nesse tipo de disputa era uma forma de educação sanitária, conforme as orientações médicas baseadas na puericultura, mas onde também poderiam ser identificados alguns preceitos da eugenia, já que se tratava de uma ideologia com caráter científico e interfaces político-culturais que, por sua vez, estava impregnada na sociedade branca abastada e letrada do período, adquirindo expressão nas políticas públicas que se espraiavam pelo país, particularmente aquelas que estavam vinculadas à saúde (Souza, 2012).

Com a criação do Departamento Nacional da Criança (DNCr) em 1940, órgão diretamente subordinado ao Ministério da Educação e Saúde (MES), as festividades relativas ao Dia da Criança passaram a ser executadas de forma cada vez mais extensiva em vários estados do Brasil. Cada unidade da federação deveria realizar as comemorações conforme as indicações previstas pelo poder político central, sendo que estas deveriam incluir sessões de filmes educativos de caráter cívico, jogos escolares com demonstrações de apresentações de educação física, exposições de práticas desenvolvidas pelos escoteiros, desfiles estudantis, palestras de médicos, políticos, educadores e bacharéis do direito, além de cerimônias que eram realizadas por membros da Igreja Católica.

Conforme a notificação do diretor geral do DNCr, Olímpio Olinto de Oliveira, o órgão visava cumprir “(...) os propósitos do Estado Nacional, de amparar, por todas as formas, a infância, empenhar os seus melhores esforços para que as comemorações atinjam um esplendor digno da grandeza da hora que transcorre”.[15] Nesse sentido, somente em 1942 o Jornal Diário Oficial noticiou a primeira celebração do Dia da Criança no Piauí, tratava-se das Jornadas da Criança, ocorridas em Teresina, capital do estado. Esse evento consistiu em palestras públicas ministradas por médicos sobre os temas da alimentação infantil cientificamente correta, exposição sobre a melhoria do serviço de assistência à saúde para as crianças, além do amparo médico por meio de atendimentos que deveriam ser extensivos às mães.[16]

A partir de 1943 uma campanha nacional em defesa da infância foi promovida pelo governo federal através do DNCR. Tratava-se de um apelo para que fossem congregados os esforços de todos os brasileiros, especialmente homens e mulheres das elites, para que se envolvessem na questão patriótica da proteção às crianças, particularmente aquelas dos setores empobrecidos. Isso deveria ocorrer por meio da criação e atuação de associações filantrópicas, que pudessem cooperar decisivamente na execução de iniciativas de amparo junto aos poderes públicos, nos âmbitos federal, estadual e municipal. Nesse sentido, é que várias associações de caridade e filantropia se dispuseram a atuar na grave questão nacional da proteção infantil, entre as quais destacou-se:

A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA-LBA, que dá as mãos ao DEPARTAMENTO DA CRIANÇA, neste mister laborioso e fecundo, de alta significação material e moral, e onde um profundo sentimento de compreensão humana se alia a um dever social da maior espiritualidade. [17]

Fundada por Darcy Vargas com o objetivo inicial de ajudar as famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra Mundial, mediante a chancela do governo central, a LBA dispunha do apoio financeiro da Federação das Associações Comerciais e da Confederação Nacional da Indústria, segundo observa Ivana Simili (2008). A associação, que era de caráter nacional, adquiriu proeminência entre as outras congêneres quando ampliou os projetos de assistência às famílias necessitadas em geral, integrando-se à campanha em defesa da infância mediante a sua atuação, por meio de representações nos estados e municípios, ainda que fosse controlada, fiscalizada e avaliada pelo DNCr.

No Piauí, a Comissão Central Estadual da LBA, passou a atuar a partir do começo da década de 1940. Isso ocorria em cooperação com o Departamento de Saúde Pública e o Departamento de Ensino, com o objetivo de executar as diretivas nacionais do DNCr acerca da educação sanitária e dos serviços terapêuticos de saúde, além de outras iniciativas com cunho social no estado. As crianças passaram a ser celebradas não somente no dia 12 de outubro, mas no período que abrangia do dia 10 ao dia 17 de outubro, que foi denominado como Semana da Criança, o que continuou sendo observado nos anos imediatamente subsequentes. As comemorações em Teresina ocorreram no decorrer de mais uma nova edição das Jornadas da Criança, mas se restringiram à realização de atos solenes com a presença de autoridades políticas estaduais e municipais, bem como filantropos que atuavam na direção da LBA, além disso, ocorreram preleções sobre as temáticas da infância abandonada, a educação física visando a disciplina das crianças e a moralização familiar, sendo que todas foram realizadas por médicos e educadores envolvidos na defesa da causa infantil.[18]

A programação das festividades da Semana da Criança relativa ao ano de 1944, em Teresina, foi elaborada pela Seção Piauí da LBA, juntamente com os órgãos públicos estaduais que estavam encarregados de gerir a educação e a saúde, sendo extensivamente divulgada no jornal Diário Oficial.[19] Foram incluídas atividades já realizadas nas comemorações em anos anteriores, como os discursos de autoridades políticas, campanha de esclarecimento para que mães e pais realizassem o registro civil de suas filhas e filhos, além de palestras médicas a partir de temas sobre a higiene infantil e sua centralidade para a profilaxia das doenças, iniciativas que visavam promover a educação sanitária.

Também ocorreram visitas às escolas públicas de educação infantil, com distribuição de presentes para as crianças pobres, inclusive essa foi uma prática que se observou de forma extensiva no país durante as comemorações da Semana da Criança, quando passaram a ser realizados “(...) ‘sorteio de prendas’, bem como distribuição de frutas, doces e brinquedos. No entanto, tais presentes eram ofertados por escolas, igrejas, instituições do governo, privadas e beneficentes, não pelos pais das crianças” (Frid, Corbo y Aucar, 2021: 9). Considerando-se esses aspectos, pode-se aventar que a Semana da Criança se tratava de uma data oficial, sendo mais centrada na promoção do civismo sobre o valor da infância que a criança teria para o futuro próspero da nação, do que em uma pretensa comemoração com amplitude meramente amorosa, envolvendo as crianças na dimensão de âmbito familiar.

O roteiro comemorativo da capital do Piauí também incluiu, de forma inovadora, a realização dos concursos de robustez infantil, revelando aquela que seria uma tendência, na realização de outras ocasiões festivas congêneres, celebrando a infância. Essas seriam realizadas de forma extensiva, não somente como uma iniciativa brasileira, mas que também adquiriu proeminência como meta de bem-estar internacional, que foi observada alguns anos depois.[20] Na Semana da Criança daquele mesmo ano de 1944, ocorreram duas competições de robustez, sendo uma delas nas dependências da instituição de assistência denominada Casa da Criança[21] e a outra na sede da Escola Normal Oficial,[22] ambas iniciaram às 8h30min do dia 13 de outubro e foram celebradas como o ápice das comemorações que se prolongaram no decorrer da semana festiva.

Conforme assinala James Wadsworth (1999) na análise sobre os concursos de robustez em São Paulo e no Paraná, também se verificou que, no Piauí, a seleção das crianças eletivas entre um e dois anos de idade, costumava ocorrer mediante a atuação das enfermeiras que trabalhavam nas instituições de atendimento à saúde que atendiam as crianças de famílias pobres. Para serem escolhidas, as crianças deveriam cumprir alguns requisitos específicos: ter sido amamentadas por, pelo menos, seis meses, vivessem em condição de pobreza e possuíssem frequência assídua aos serviços de assistência infantil.[23] As inscrições no evento eram realizadas mediante o preenchimento de fichas individuais com informações básicas, tais como os nomes da criança, da mãe e do pai, endereço residencial, faixa etária, cor da pele e naturalidade. Uma vez escolhida a listagem dos concorrentes, as mães eram notificadas para que estivessem presentes, juntamente com suas filhas e filhos, no dia da disputa. Os concursos realizados no ano de 1944 em Teresina tiveram a média de duas centenas de inscrições, atendendo ao chamado dos médicos, poderes públicos e associações filantrópicas. Os progenitores dos bebês agraciados com a vitória receberiam prêmios em dinheiro, aspecto atrativo para a concorrência formada por famílias desvalidas que, muitas vezes, dependiam apenas das iniciativas assistenciais.

A Comissão de Avaliação do concurso realizado na Casa da Criança, foi formada pelos médicos Antônio Noronha Almeida, Domingos Matos Pereira e Anastácio Ribeiro Madeira Campos. Enquanto isso, o evento realizado na Escola Normal Oficial, teve como escrutinadores os médicos Manuel Sotero Vaz da Silveira, Olavo Correia Lima e Durvalino Couto.[24] Todos eles eram profissionais que atuavam em Teresina e também no interior do Piauí como médicos generalistas ou especialistas em puericultura e pediatria, na direção de instituições de saúde públicas e filantrópicas, como também ocupando cargos na administração da saúde estadual e municipal. A seguir podem ser identificadas as características dos vencedores das disputas realizadas durante os concursos da Casa da Criança e da Escola Normal Oficial:

Naquele realizado na Casa da Criança foram classificados: em primeiro lugar, Washington Dias Pinheiro, de 5 mêses, 67 centímetros, 8 quilos e 680 gramas, filho de Raimundo Rodrigues Pinheiro; Em segundo lugar, Ivone Ivo da Silva, de 8 mêses, 71 centímetros, 9 quilos e 230 gramas, filho de Raimundo Ivo da Silva; terceiro lugar, Carlos Alberto Santana, de 4 mêses, 62 centímetros, 6 quilos, 970 gramas, filho de João Pinto de Santana, cabendo ao 1º um premio de 500 cruzeiros em caderneta do Banco Agrícola do Piauí; ao 2º um de 300 cruzeiros e ao 3º um de 100 cruzeiros. No concurso da Escola Normal Oficial foram classificados: em primeiro lugar, Nilson da Costa Oliveira, de dez mêses, com 73 centímetros, dez quilos e 250 gramas, filho de José da Costa Oliveira; em segundo lugar, João Batista Moreno de 17 mêses, 74 centímetros, 10 quilos e 560 gramas, filho de Elizeu Moreno; em terceiro lugar, Gregório Paulo do Nascimento, de 11 mêses, 67 centímetros, 9 quilos e 870 gramas, filho de Aloisio do Nascimento, cabendo ao 1º um premio de 500 cruzeiros em caderneta do Banco Agrícola do Piauí; ao 2º um de 300 cruzeiros e ao 3º um de 100 cruzeiros.[25]

Pode-se notar que apenas os nomes dos pais foram mencionados na premiação dos concursos. Isso pode demonstrar que os concorrentes sem reconhecimento de paternidade no registro civil de nascimento, não poderiam ser inscritos ou premiados naquele ano. Isso revelava uma afirmação tácita do modelo de família burguesa, com apelo católico de cunho tradicional, que privilegiava o homem na função de progenitor e chefe da família (Besse, 1999). Ao mesmo tempo, ocorria o obscurecimento da atuação das mães casadas, que ocorria também na omissão do sobrenome das crianças, as mesmas que segundo as orientações médicas e governamentais, deveriam ser as principais responsáveis pelo cumprimento adequado do cuidado infantil e que também costumavam ser culpabilizadas quando os filhos adoeciam, conforme o lugar subalterno conferido pelos papéis normativos de gênero, como apontou Joan Scott (1995).

Acerca do assunto, também é importante observar o fato de que todas as crianças classificadas eram do sexo masculino, o que também era identificado de forma reincidente em outros concursos. Tal situação poderia ocorrer em virtude do peso e da estatura dos meninos serem comumente maiores em comparação às meninas, soma-se a isso o fato de que não existia referência sobre a utilização de padrões diferenciados de robustez para crianças, conforme a variação dos sexos masculino e feminino, inclusive, verificou-se que a concorrência era mista. Contudo a ocorrência também pode ser compreendida como uma questão de gênero, já que a referência masculina e não a feminina, era o padrão utilizado na avaliação das crianças envolvidas na disputa dos concursos de robustez realizados em Teresina.

Verifica-se, ainda, que nas referidas competições realizadas em 1944, a avaliação dos concorrentes da Casa da Criança adquiriu caráter eminentemente técnico, uma vez que o peso e a estatura foram os principais critérios. Contudo, o escrutínio de meninas e meninos era mais incisivo, envolvendo também exames de dentição, desenvolvimento motor e níveis de vitalidade, que foram os mesmos itens avaliados durante a realização do concurso da Escola Normal Oficial. Observou-se também, que além dos vencedores, outras cinco crianças foram premiadas em cada concurso, por também apresentarem os parâmetros ideais que revelavam um bom estado geral de saúde. A seguir, pode-se observar o modelo de robustez requerido nos concursos piauienses:

Vencedor de concurso de robustez
Figura
Vencedor de concurso de robustez
Diário Oficial do Piauí.[26]

O menino Salvador Fontenele, com um ano e oito meses de idade, foi o vencedor do concurso de robustez ocorrido em 12 de outubro de 1945, um dos eventos da semana comemorativa alusiva ao Dia da Criança na Escola Normal Oficial em Teresina. É possível identificar morfologicamente que o padrão de robustez requerido pelos médicos não era uma criança rechonchuda que exibisse dobras. Segundo eles, tais características eram erroneamente almejadas por aqueles que não tinham acesso às orientações pautadas no moderno conhecimento médico-científico. Nesse sentido, a imagem do garoto Salvador Fontenele manifesta “(...) um meio de vida e de pensamento, com estreitas conexões internas, um ecossistema da visão, e, portanto, um certo horizonte de perspectiva do olhar” (Debray, 1993: 206).

Segundo aponta Mary Del Priore (2009), desde os seiscentos, no Brasil, eram comuns os casos de adoecimentos infantis a partir de práticas alimentares que tinham como base produtos consumidos cotidianamente por pessoas adultas. Na primeira metade do século XX, a medicina já investigava a chamada distrofia farinácea, disfunção que resultava no excesso de tecido adiposo, predispondo as crianças ao desequilíbrio das suas funções orgânicas, e consequente adoecimento. Nesse sentido, a utilização das farinhas secas administradas sob a forma de mingaus, ocorria de forma frequente na alimentação infantil piauiense, sendo uma prática tradicional, sobretudo, entre as famílias pobres, que muitas vezes não dispunham de orientações de puericultura acerca da alimentação e nem de recursos para a compra da dieta específica para as crianças. Como resultado, ocorria uma maior fragilidade aos problemas gastrointestinais, desnutrição e desidratação, predispondo ou agravando outras moléstias que poderiam levar à mortalidade infantil.

Em contrapartida, as crianças consideradas robustas, eram categorizadas pelos médicos por meio de aspectos que se pautavam na vitalidade equilibrada, desempenho harmônico dos sentidos e órgãos que funcionavam com normalidade. Como resultado de uma condição sistêmica saudável, elas corresponderiam ao padrão adequado de robustez propugnado pelos médicos, sendo consequentemente mais belas e felizes, pois não apresentariam moléstias que dificultavam ou impediam o seu desenvolvimento pleno, o que ocorria conforme os parâmetros médicos estabelecidos como apropriados para cada faixa etária.

Os médicos disseminavam a orientação de que, para a criação de crianças robustas, era urgente que o costume popular da inserção do regime alimentar artificial ainda no primeiro ano de vida fosse abandonado ou, pelo menos, disciplinado de acordo com as instruções científicas, caso a mãe não conseguisse amamentar (Freire, 2009). Da mesma forma eles instruíam a sociedade, particularmente as mães, de que a sua atuação seria indispensável para a recomendação correta sobre a dieta das crianças, isso ocorreria à medida que elas passassem pelo processo de desmame. Essas práticas que eram observadas de forma corrente no Piauí, faziam parte de um processo de medicalização,[27] contribuindo para criar, reforçar e consolidar o prestígio profissional do setor médico, sobretudo, nas áreas de especialização em puericultura e pediatria. Isso ocorria em um contexto das primeiras décadas do século XX, quando os cuidados com relação à saúde infantil e materna eram realizados por praticantes de cura não diplomados, como parteiras, raizeiros e curandeiros. Nesse sentido, os médicos usavam o conhecimento científico de que dispunham enquanto uma estratégia de saber e poder, que respondia a variados interesses políticos, culturais e materiais, que estavam em disputa no campo social.

É importante destacar que, não somente no Piauí, mas em âmbito nacional, os setores abastados, pareciam menos preocupados com suas próprias crianças do que com aquelas provenientes de famílias desvalidas. Conforme argumenta Irene Rizzini (2008), a ideia de salvação da criança já era observada na passagem do século XIX para o XX, atribuindo-se destacada importância à parcela infantil empobrecida da população brasileira. O significado social circunscrevia-se na perspectiva de moldá-la de acordo com o projeto que conduziria o país ao seu ideal de nação moderna e civilizada, notadamente de acordo com os modelos das capitais europeias. Tal perspectiva estava associada à necessidade de manutenção da ordem social por meio da criação de mecanismos que pudessem desviar a infância pobre da indisciplina, ao mesmo tempo, livraria a sociedade do futuro de indivíduos com moral discutível, que poderiam ser potencialmente viciosos no sentido de desequilibrar a harmonia social. Durante o Estado Novo ainda vigorava essa forma de analisar a problemática infantil, sendo que o resultado dos esforços assistenciais seria o adulto produtivo, que deveria possuir potencial força de trabalho, tanto no sentido de sustentar a si mesmo e a própria família, sem gerar despesas de assistência pública, quanto para contribuir com o desenvolvimento econômico do Brasil, sendo que, para isso, era condição central a sua boa saúde (Gomes, 1999).

Nesse sentido, os concursos de robustez no Piauí impunham concepções de saúde infantil que eram formuladas, praticadas e institucionalizadas por segmentos sociais como médicos, filantropos, políticos, juristas e educadores. Estabelecendo orientações que consideravam como corretas, esforçavam-se para que os setores pobres fossem conformados às condições higiênicas ideais que, dificilmente, poderiam ser praticadas. Isso ocorria devido a existência de questões vinculadas às condições de vida em ambientes insalubres, além das dificuldades de acesso às orientações sanitárias e serviços em instituições como centros de saúde, postos de higiene, hospitais infantis e maternidades (Marinho, 2018). Em referência a essa questão, outro concurso de robustez infantil, ocorreu durante as comemorações alusivas à data festiva da Semana da Criança, em Teresina, durante meados da década de 1940, conforme o arranjo imagético encenado a seguir:

Entrega de prêmios às
crianças vencedoras em concurso de robustez
Figura 2
Entrega de prêmios às crianças vencedoras em concurso de robustez
Diário Oficial do Piauí.[28]

O concurso de robustez que serviu de tema para a imagem, ocorreu em 1945, nas dependências da Casa da Criança, na capital do Piauí, fazendo parte de uma extensa e diversificada programação. Foi retratado o momento em que a presidenta da Comissão Estadual da LBA, também primeira-dama do Piauí, Maria de Lourdes Mello, localizada na imagem em primeiro plano, no canto esquerdo, realizava a entrega dos prêmios para as três crianças vencedoras, que estavam no colo das mães à direita. Também é possível identificar a presença dos médicos responsáveis pela avaliação, enfermeiras e outras mulheres que compunham a direção da LBA estadual, cujos nomes não foram publicizados na reportagem do Jornal Diário Oficial.

A imprensa escrita, particularmente a jornalística, era utilizada com a finalidade de promover a propaganda dos setores vinculados, diretamente ou indiretamente, à política varguista (Capelato, 2009). No contexto estadual, tal prática era verificada de forma recorrente no jornal Diário Oficial do Piauí, em que a divulgação das iniciativas que envolviam o governo do Interventor Leônidas Mello consistia em uma estratégia política oportunizada pela censura, que visava a construção deliberada de uma representação positiva para angariar legitimação social, por meio das iniciativas desenvolvidas acerca da questão infantil. A veiculação das notícias com as crianças premiadas nos concursos de robustez, juntamente com as mães que seguiam as orientações científicas dos médicos, eram estampadas diariamente, e de forma incisiva, durante os eventos festivos da Semana da Criança. O destaque ocupava numerosas páginas, inclusive em manchetes principais, como também eram excessivamente ilustradas com fotografias, um diferencial utilizado no regime do Estado Novo (Lacerda, 1994).

Observa-se, ainda, que a representação imagética não somente veicula as intenções políticas do governo local, mas, uma exposição das desigualdades, por meio dos marcadores sociais dos atores retratados, sendo expressadas nas categorias de setor econômico, étnico-racial, letramento e gênero, incisivamente recorrentes no processo histórico brasileiro. É possível observar, que foi retratado pela imagem, um momento posado em que a presença das pessoas não ocorreu de forma aleatória, uma vez que destaca crianças e mulheres negras pobres, que eram assistidas pelas damas filantrópicas e os médicos brancos, todos representantes das elites, identifica-se, assim, uma relação de dependência pautada em importantes componentes de desigualdade. Isso revela que as fotografias podem ser produzidas a partir de montagens, manipulações e recortes, evidenciando informações configuradas não somente de forma morfológica, mas também indicando a expressividade de uma linguagem simbólica. Nesse sentido, uma imagem não é um simples corte praticado no mundo dos aspectos visíveis, tratando-se de um rastro visual do tempo que quis tocar, como também de outros tempos tangenciais que, como arte da memória, não pode considerar (Didi-Huberman, 2012).

Também pode-se analisar que as mães, além das próprias crianças, eram importantes como destaques das festividades relativas à Semana da Criança, pois a ideia que se pretendia difundir é de que eram mulheres abnegadas que cumpriram as orientações dos médicos acerca do cuidado com a prole. Elas deviam fazer suas existências possuírem sentido a partir da vida de seus filhos, em cujas mãos o futuro do país estaria garantido. De fato, os eventos pareciam bastante adequados para essa dimensão pedagógica, pois tais ocasiões festivas contavam frequentemente com um numeroso público que compunha a assistência, constituído por muitas mulheres que já exerciam a maternidade ou que possuíam potencial para o desenvolvimento da função considerada patriótica de conceber e criar os filhos, não somente como interesses particulares, mas, sobretudo, cumprindo com as necessidades de desenvolvimento da nação brasileira.

Ocorria que desde o início do século XX, as doenças da infância passaram a ser vistas, não mais como inevitáveis causas da natureza infantil. Considerava-se que o principal motivo do problema era a educação sanitária das mães, que tinham a responsabilidade de cuidar dos seus filhos e, para procurar solucioná-lo, seria preciso difundir as noções de puericultura, sobretudo, entre a população pobre. Era corrente a ideia de que elas erravam por ignorância, mas não sabiam o quê e nem como fazer (Martins, 2008). A culpa era frequentemente colocada pelos médicos sobre as mães, por não protegerem as crianças adequadamente, ou delegar o seu cuidado a outras pessoas, isso acabou contribuindo para colocá-los em posição de serem os únicos profissionais que poderiam impedir o adoecimento e atuar de forma incisiva sobre o risco da mortalidade infantil.

A autoridade médico-profissional fundamentava pediatras e puericultores como responsáveis exclusivos pela saúde infantil, na mediação da relação entre a criança e a mãe. Conforme aponta Jurandir Freire Costa (1999), eles apropriavam-se das ideias de saúde, família, casamento, feminilidade, infância e maternidade, determinando como deveriam ser vistas, ditas e significadas. Utilizando-se a perspectiva da prática escriturística, pode-se analisar que os médicos acreditavam ter legitimidade e capacidade para uma recriação da maternidade, por disporem da autoridade de quem tem direito à fala e à escrita, uma vez que dominavam o único conhecimento considerado por eles como verdadeiro, por ser construído a partir da ciência (Certeau, 2005). Nesse ínterim, as mães deveriam considerar inadequadas quaisquer outras práticas de cura que compunham uma sociabilidade ancestral e eram orientadas por indivíduos não diplomados, mesmo parentes e vizinhas, pois somente os conhecimentos médicos seriam capazes de orientá-las de forma legitimada pela ciência.

Considerações finais

Entre o final do século XIX e o segundo quartel do século XX, foi possível identificar o ritmo de dinamização de mudanças no cenário nacional, em que se destaca o incremento urbano. Essa configuração trouxe consigo novas questões, como a preocupação sanitária diante da difusão de moléstias associadas à pobreza. A partir de tal conjuntura, foram necessárias intervenções que pudessem imprimir medidas profiláticas, com base na higiene, a partir da ordenação e da disciplina, não somente no espaço privado, mas visando o âmbito da coletividade pública.

Mas, foi somente a partir do período varguista ditatorial, que passou a existir, de forma mais premente, a emergência da proteção da infância através da aplicação de medidas fundamentadas no conhecimento científico da puericultura, uma especialidade médica que integrava noções e técnicas a partir de referências higiênicas, nutricionais, fisiológicas e psicológicas, desde o período pré-concepcional, passando pela gestação, até os primeiros anos de vida. Esses cuidados seriam necessários para a saúde infantil, especialmente entre os setores sociais desvalidos, em que predominavam os maiores riscos à preservação da vida, como também da manutenção da saúde. Para isso era necessário instrumentalizar as mães, transformando-se em protetoras medicalizadas de suas filhas e filhos.

No contexto das variadas comemorações da Semana da Criança, é que os concursos de robustez infantil foram realizados para tornar mais eficaz a acessibilidade, a compreensão e a divulgação das informações que visavam a saúde, mas à medida que desenvolvia esses atributos, também disciplinava consciências e comportamentos. As comemorações que eram levadas a efeito em Teresina, capital do Piauí, procuravam construir e reforçar perante a população pobre, a necessidade de se adotar os preceitos preventivos. Os médicos foram os principais colaboradores, junto ao poder público e a filantropia, ao propugnarem que as mães precisavam ter uma compreensão racional da infância, para que pudessem cumprir com o dever patriótico, que fazia parte de um projeto de reorganização da sociedade, visando gerar indivíduos que transformariam, não somente as próprias vidas, mas o destino do país.

Apesar das medidas realizadas na capital do Piauí fazerem parte de uma política nacional de saúde, elas adquiriram uma descentralização executiva, conferindo ritmos, dimensões e características que eram inerentes ao cenário local. É relevante aventar que no Piauí a questão do desenvolvimento infantil a partir da puericultura era problemática devido a aspectos como as limitações da assistência à saúde, desconfiança em cuidar dos filhos conforme as instruções científicas e condições insalubres de sobrevivência.

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Notas

1- A caridade cristã tratava-se de uma virtude teologal de comprometimento do amor ao próximo, segundo os desígnios divinos, adquirindo concretude por meio da assistência aos desamparados (Moniz, 2016). Esse amor deve ser entendido dentro da motivação agápica para a disponibilidade, gratuitidade e inclinação para o próximo necessitado. É considerado mais eminente do que a misericórdia ou beneficência, porquanto ambas se fundam em uma identificação não sobrenatural pelo sofrimento alheio que, não tomando como ponto cardeal o amor de Deus à humanidade, não logra desenvolver um genuíno sentimento que serve para qualificar a vinculação que estabelece com a humanidade em geral e com os cristãos em particular, mas também o amor que os crentes estabelecem com os outros seres humanos.
2- Em 1937, mediante uma aliança entre as forças armadas e os governadores, o presidente Getúlio Vargas concretizou um golpe de estado em que fechou a Câmara dos Deputados e o Senado, instaurando o Estado Novo. Esse período foi caracterizado pelo autoritarismo, nacionalismo e centralização de poder, sendo parte constituinte do primeiro governo de Vargas até o ano de 1945 (Gomes, 1999).
3- Atuou como médico, professor, além de diretor em órgãos de saúde e educação pública. Foi secretário-geral do governo estadual do seu antecessor, o interventor Landry Sales Gonçalves. Assumiu o posto de governador do Piauí em 3 de maio de 1935, após eleição pela Assembleia Legislativa. Foi nomeado interventor federal pelo presidente Getúlio Vargas em 23 de novembro de 1937, por ocasião do Estado Novo, permanecendo no cargo até 9 de novembro de 1945 (Mello, 1976).
4- A Imprensa Oficial, órgão de publicação dos atos do Estado, foi criado no início do século XX. Somente em 1930 recebeu o nome de Diário Oficial, tornando-se, também, o único jornal com circulação regular durante a ditadura do Estado Novo, no Piauí. Nesse período o jornal notabilizou-se não somente na divulgação de atos dos poderes públicos estaduais, mas na publicação de temas variados acerca do cotidiano da sociedade piauiense, propagandas de produtos e serviços, além da reprodução de notícias nacionais (Marinho, 2018).
5- Conforme Colin Heywood (2004), a condição da infância ganhou maior dimensão com a sociedade capitalista urbano-industrial, quando ocorreu a mudança na posição social desempenhada pela criança apenas como ser biológico. Na sociedade burguesa, ela passou a ser considerada como indivíduo que precisava de proteção a partir da saúde, escolarização e base jurídica, visando à sua formação como adulto saudável e moralizado. Essa ressignificação estava intimamente ligada à valorização do novo conceito de família nuclear como um local exclusivo de proteção e cuidados sob a chancela dos poderes públicos. Foi de forma mais lenta e descontínua que o novo significado da infância foi difundido em regiões menos urbanizadas e rurais, bem como nos variados segmentos sociais.
6- A mortalidade infantil corresponde ao obituário de uma população de nascidos vivos em determinada área e período, antes de completar o primeiro ano de vida (Pereira, 1995). Trata-se de um indicador que foi consagrado mundialmente para medir a qualidade de vida e desenvolvimento, por expressar a situação de saúde, considerando-se as desigualdades entre grupos sociais e regiões. Conforme melhora o nível de desenvolvimento de um determinado município, estado ou país, a mortalidade infantil diminui e tende a se concentrar próxima ao período neonatal, cujas causas se relacionam com as condições da assistência ao pré-natal e ao parto (Vermelho, Leal y Kale, 2005). Já as causas da mortalidade no período pós-neonatal, cujos principais exemplos são a diarreia e a pneumonia, relacionam-se com as condições socioeconômicas e ambientais, sobretudo nutrição e agentes infecciosos.
7- Atuou de forma incisiva na criação de estabelecimentos de saúde e assistência infantil, a exemplo do Instituto de Protecção e Assistencia à Infancia (IPAI), inaugurado em 1899 no Rio de Janeiro, uma instituição filantrópica que prestava serviços de saúde gratuitos para o atendimento das crianças de famílias desvalidas (Freire, 2015).
8- Conforme aponta Gisele Sanglard (2016), ele foi o fundador da Policlínica das Crianças, primeiro hospital pediátrico no Rio de Janeiro, exerceu cargos administrativos em estabelecimentos de saúde e publicou obras acadêmicas sobre a saúde materno-infantil.
9- Destacou-se a partir de iniciativas como a criação da Liga Bahiana Contra a Mortalidade Infantil, passando a obter projeção nacional quando ocorreu a estruturação do sistema de amparo à infância no governo varguista (Martins, 2005).
10- Therezina, Piauhy. Mensagem de governo (1913). Aprese no brasilntada à Camara Legislativa pelo Exm. Sr. Dr. Miguel de Paiva Rosa, Governador do Estado.
11- Therezina, Piauhy. Relatório governamental (1890). Apresentado pelo Sr. 1º vice-governador do Estado do Piauhy, Dr. Joaquim Nogueira Parnaguá.
12- Therezina, Piauhy. Governador do Estado. Mensagem de governo (1897). Apresentada à Câmara Legislativa pelo Dr. Raymundo Arthur de Vasconcellos.
13- Teresina, Piauí. Relatório governamental (1942). Apresentado ao Presidente da República pelo Interventor Leônidas de Castro Mello Referente ao Exercício de 1941.
14- Os concursos de robustez foram realizados pioneiramente pelo médico Moncorvo Filho como uma das iniciativas do IPAI. Tratou-se de uma prática observada em alguns estados brasileiros, desde o final dos anos 1910, sendo viabilizada pela ação de organizações beneficentes, médicas, estatais e paraestatais. Na década de 1920 também ocorriam os concursos de eugenia, mas estes consideravam a hereditariedade das crianças como base para a criação de um padrão que representasse a melhoria da raça brasileira (Pereira, 2008).
15- Diário Oficial do Piauí. 13 de outubro de 1942, “Semana Nacional da Criança”, p. 2.
16- Diário Oficial do Piauí. 10 de outubro de 1942, “Associação Piauiense de Medicina”, p. 12.
17- Diário Oficial do Piauí. 14 de outubro de 1943, “Comemorações da Semana da Criança”, p. 1.
18- Diário Oficial do Piauí. 12 de outubro de 1943, “Semana da Criança no Piauí”, p.1.
19- Diário Oficial do Piauí. 19 de outubro de 1944, “Programa da Semana da Criança, p. 16.
20- A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas- ONU instituiu o Dia Mundial das Crianças e também adotou a Declaração dos Direitos da Criança para promover a centralidade da questão infantil como problema relevante para ser enfrentado em cada país. A comemoração internacional foi divulgada no Brasil ao coincidir com a Semana da Criança, continuando a se desenvolver de forma independente (Frid, Corbo y Aucar, 2021).
21- A Casa da Criança foi inaugurada em 1943 com a colaboração do interventor Leônidas Mello, junto à Comissão Central Estadual da LBA. Visando o atendimento às crianças pobres, a Casa da Criança dispunha de um ambulatório para consultas, sala para procedimentos médicos, lactário, consultório pré-natal, creche, jardim da infância e refeitório infantil. Diário Oficial do Piauí. 18 de setembro de 1943, “Construção da Casa da Criança”, p. 1.
22- A Escola Normal Oficial tratava-se da principal instituição da educação pública estadual, que foi fundada em 1910 para a formação de professoras primárias no Curso Normal. Funcionava de forma contígua à Escola Modelo, que ofertava o ensino infantil e servia como instituição de aplicação para a formação das normalistas (Marinho, 2021).
23- Diário Oficial do Piauí. 9 de outubro de 1944, “Concursos de Robustez”, p. 1-8.
24- Diário Oficial do Piauí. 19 de outubro de 1944, “Programa da Semana da Criança”, p. 16.
25- Diário Oficial do Piauí. 17 de outubro de 1944, “Semana da Criança”, p. 2.
26- Diário Oficial do Piauí. 23 de outubro de 1945, “Salvador de Carvalho Fontenele”, p. 8.
27- O conhecimento científico da medicina é considerado uma estratégia de saber-poder que busca estruturar um campo de ação na sociedade, operando sobre os mecanismos de produção de subjetividade dos indivíduos. Nesse sentido, torna-se relevante o aspecto produtivo da medicalização, sua capacidade de fabricar novas verdades e técnicas para responder às mais variadas possibilidades de ação dos sujeitos (Foucault, 2008).
28- Diário Oficial do Piauí. 20 de outubro de 1945, “SEMANA da Criança”, p. 1.
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